terça-feira, janeiro 21, 2014

Check-ups: mais mal do que bem?

Muito gratificante ver o assunto divulgado em veículo de comunicação de alcance nacional. A jornalista da Folha, Cláudia Collucci, acompanha nosso fórum de discussão no Facebook sobre temas como overdiagnosis. Quero acreditar, até como forma de sustentar motivação para este trabalho tão pouco valorizado e debatido, que parte da inspiração para a matéria partiu disto. Se for uma verdade parcial, já terá justificado todo gasto de tempo e energia no projeto durante o ano de 2013, recarregando as baterias para 2014.

O texto de Cláudia está de uma clareza magnífica!

Não concordo apenas com a ideia de que pacientes e familiares tenham condições de ajudar muito, o que não significa, absolutamente, que não devem ser informados e esclarecidos. Existe este mesmo debate no movimento de segurança do paciente (leia mais). Abaixo a matéria da Follha:

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Início do ano, época em que muitos se dedicam a fazer check-ups, conjunto de exames considerado capaz de descobrir cedo as doenças, aumentando as chances de cura.

Não é bem assim. Cada vez mais surgem evidências de que os check-ups que se limitam a seguir apenas uma lista de exames preestabelecidos não trazem benefício algum.

Existe uma ideia equivocada (entre médicos e entre pacientes) de que só uma longa lista de exames é capaz de prevenir doenças.

Um levantamento feito em 2012 pela Cochrane, organização internacional especializada em revisar estudos da área médica, concluiu que os check-ups não reduzem a mortalidade de modo geral nem a mortalidade por doenças cardiovasculares e câncer, por exemplo.

Não é que os exames preventivos sejam totalmente inúteis. A questão é que eles precisam ser focados, levando em conta características individuais do paciente, como idade, hábitos e históricos clínico familiar.

Quando mal indicados, esses exames causam mais malefícios do que benefícios. Levam a mais exames invasivos e tratamentos desnecessários.

Muitos médicos sabem disso, mas continuam pedindo aleatoriamente check-ups. E o que é pior: não informam aos seus pacientes sobre a controvérsia em torno deles.

O assunto começou a ser investigado no começo deste ano pela Comissão de Ciência e Tecnologia do parlamento inglês, que pretende estudar uma forma de tornar essas informações mais acessíveis aos pacientes.

A discussão teve início após decisão de renomados médicos britânicos de não pedir mais a mamografia, exame preventivo para o câncer de mama, a mulheres consideradas de baixo risco (sem histórico familiar, por exemplo).

O conceito que está por trás disso se chama "overdiagnosis", ou, em tradução livre, excesso de diagnósticos.

MAMA E PRÓSTATA

Check-ups ou mesmo programas de rastreio para o câncer da mama ou da próstata, por exemplo, pegam "doenças" que nunca iriam causar nenhum problema.

As mamografias encontram lesões de significado incerto, cânceres que não se comportam de forma agressiva.

Mas como ainda é difícil saber qual desses tumores vai se espalhar e causar a morte, muitas mulheres são orientadas a passar por tratamentos, que podem incluir a mastectomia e a radioterapia.

Esses tratamentos, porém, também podem fazer mal. A radioterapia, por exemplo, aumenta o risco de doenças do coração. A cirurgia na mama tem riscos anestésicos e de infecção.

São riscos que valem a pena correr se a doença fosse de fato uma ameaça à vida. E em casos de lesões potencialmente inofensivas? Vale realmente a pena?

Com o câncer de próstata ocorre o mesmo. Em 2012, uma força-tarefa do governo americano divulgou uma recomendação contra a realização do PSA (exame de sangue para detectar câncer de próstata) como teste de rotina.

Essa força-tarefa é formada por especialistas em prevenção que fazem recomendações quanto ao rastreamento de doenças em pessoas sem sintomas após extensa revisão de estudos publicados.

Exames de autópsia estimam que um terço dos homens com mais de 50 anos que morrem por outras causas (coração, por exemplo) tinham um câncer de próstata "adormecido", ou seja, que estava ali quietinho, sem fazer mal a ninguém. Já o tratamento pode causar danos sérios aos homens, entre eles impotência e incontinência urinária.

Segundo os pesquisadores, para homens saudáveis e sem sintomas, não saber o que está acontecendo na próstata pode ser o melhor caminho.

Informações como essas precisam chegar de forma clara e correta aos pacientes. Somente por meio delas é que eles terão condições de optar por realizar esses procedimentos ou não.

Esse é um debate mundial, mas aqui no Brasil ainda está restrito a poucos grupos, como os médicos de família e comunidade. Precisamos ampliá-lo. E fazer valer o mantra do paciente: "nenhuma decisão sobre mim, sem mim".

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